Tomaz Amorim Izabel
eu caminhava pelo centro de são paulo (não sei o quanto me lembro bem ou imaginei depois) mas numa lojinha muito pequena apertada entre duas galerias quase só balcão de vidro e óculos de homem velho estava pendurado um cartão gasto em que se lia: "Experimente falar baixo, você vai se surpreender" surpreso me lembrei logo do meu amigo andré que fala muito baixo e tem contratempos diários por isso (pensei em lhe perguntar depois se valia a pena) na hora — lembro bem — achei engraçado o contraste no meio da tempestade um relojoeiro — agora me lembro o homem consertava mecanismos de relógio — dava um conselho discreto com uma placa espremida entre homens-placa minerando ouro as sirenes antiaéreas dos jornais e as marteladas da bolsa de valores que audácia a desse homem eu pensei é um sonho impossível! era mais fácil ele escrever "Pela paz universal e fraternidade entre os homens" do que esse convite até suspeito a falar baixo e ainda com uma promessa publicitária “você vai se surpreender” não me lembro se tentei falar mais baixo pelo resto do dia — se tentei não funcionou porque quase nada me surpreendeu é verdade que até hoje ainda me lembro daquela ousadia e acho que o homem pelo menos tinha alguma coerência todo silencioso entre ponteiros e baterias até sua placa aliás era modesta preferia ser lida do que ser ouvida pois se ele mesmo era silencioso (e era no dia eu nem o vi só os relógios e a placa!) se falava baixo como seu anúncio talvez isso lhe valesse quem sabe ou então talvez seria um golpe estratégico sofisticado tentando valorizar o que na verdade era fraqueza de nascença de cordas vocais magras de peso nos pulmões o fato é que até hoje se caminho no centro de são paulo e está silencioso por alguma tragédia ou feriado me lembro desse viajante do tempo ou melhor desse sedentário do tempo que falava baixo (que ao lado do pregão ele pregava em silêncio sobre falar baixo) e por isso — talvez ouvisse o tempo interminável e profundo entre os baques do tic tac
Tomaz Amorim Izabel é poeta, tradutor e crítico cultural, autor de “Meia lua soco” (Primata, 2020) e “Plástico pluma” (Urutau, 2018).