Luís Henrique Pellanda
Era uma vez um país orgulhoso, onde todos penduravam suas bandeiras nas janelas de suas casas e apartamentos. E era tanta bandeira pendurada que aquele lugar, antes belo e ensolarado, deixou de ser um país para virar um imenso e insalubre cortiço. E de cada janela, agora ensombrecida, discursava um homem furioso ou uma mulher insatisfeita. E eram tantos os que falavam, e tão ferozes, que ninguém mais podia ouvir o que se dizia na janela ao lado. E entre eles foi tão grande o desentendimento que, sem que vizinho algum se apercebesse, foram deixando de falar a mesma língua. E cada lar, ao desenvolver seu idioma próprio, foi aos poucos se tornando um reino único, mais ou menos independente, cercado por uma infinidade de outros reinos, maiores ou menores, sendo que cada homem, dentro de cada reino, coroou-se rei, e cada mulher, rainha. AE, assim, viveram quase felizes por um breve tempo, pois seus herdeiros cresceram e, seguindo a tradição das mais nobres famílias de lá, envenenaram a comida e a bebida de seus pais, no que fizeram muito bem.
Luís Henrique Pellanda é escritor e jornalista, autor de “Na barriga do lobo” (Arquipélago, 2021).