Tomaz Amorim Izabel
piratas brandem espadas de plástico em três tempos azul verde e vermelho a rede mundial do terceiro mundo cintila seu nylon nas mãos do pescador que com um só risco cobre o globo do equador ao sul meninos mandam um balaço no fundo do ângulo do arrebol agora de tarde todo um arco-íris abobodal no fim do dia no crepúsculo dos moluscos cismados fervilhando os subterrâneos de pequenos sismos de silício e sal sob o sol tímidos urubus dividem o céu com asas deltas e a terra com mascates toda a praia sorri como uma boca banguela onde brilham conchas e tampinhas - espreitam para dar o bote gaviões e aposentados armados com detectores de metais para ver quem dura mais um menino cava e cava e quando vê seu buraco se encher de água cava mais e mais e se camufla de areia um boneco de cominho nas mãos de deus se não voltasse à vida com um grito de susto e de beleza aqui ao mar as aves são mais limpinhas do que as pombas de são paulo - os mendigos não já se come do isopor para o lixo do lixo para o isopor com tanta desenvoltura quanto na capital as start ups e suas estrelas- do-mar também já ergueram por aqui suas guaritas de guaravita e as paredes de coral do condomínio sonhei noite passada que esqueceram o mar ligado por isso de manhã tinha gasto toda a bateria e os barcos passaram a navegar retinhos entre as carrancas das ilhas de lemes travados como vagões da CPTM nesse dia os peixes pescaram pescadores vendedores de barras de chocolate e as águas-vivas morreram metamorfoseando-se em embalagens de supermercado o que sobressai sobretudo é a luz elevada à sua verdadeira dignidade pelos tamanhos o dia a tarde acabam mas o sol não infinitamente alto o sol e o mar infinitamente longas as ilhas as outras praias a serra a nuvem elétrica da cidade tudo como a pele de uma onça de manchas solares e lunares o dia enxertado de sombras o escuro que nunca completa sol verde infinito muralha as pernas das serras abertas sua vegetação tão crespa e gutural a cachoeira em sua candura em seu viço de cio umedecendo e adoçando a espuma salgada do mar e se me sento bem perto da água se me sento agachado tentando entender as ondas pequenas do mar calmo (se lambo os cristais da areia e inauguro um mangue de siris e gaivotas em minha boca) vejo que o mar também se encolhe que é mentira que alguma vez se levante que está lá e que se deita que as ondas quebrando são a leve baforada de uma preguiça gigante que dorme preguiçosamente e que preenche o horizonte do planeta estendendo-se e que reina sem erguer a pata o mar está ao nível do mar o nível zero com cosmos por cima e fossas abissais por baixo - o breu fúnebre a água amarga e dura a fritura dos fósseis no magma suas fissuras em que finos desfilam os peixes-fantasmas adornados com nebulosas de flores de fumaça em suas faces - o limite a paciência se está aberto ele entra se está fechado ele bate e se vira e se volta o que rói e o que também resseca que avança e que recua mas não tem pressa que sabe tomar o que é seu na hora certa
Tomaz Amorim Izabel é poeta, tradutor e crítico cultural, autor de “Meia lua soco” (Primata, 2020) e “Plástico pluma” (Urutau, 2018).