Mariana Brecht
Era aquele cheiro que a mantinha acordada apesar do avançado da noite.
A TV estava ligada, mas volume baixinho agora, para não acordar a mãe já adormecida ao seu lado.
Há três meses não pedia para dormir com a mãe.
Havia sido motivo de orgulho, um recorde, mas agora os ponteiros estavam zerados.
— O que aconteceu desta vez, Luana?
A mãe perguntou, mas ela não respondeu, só se acomodou no lado vazio da cama.
Os olhos grudados na TV que, naquele horário, só transmitia o leilão de jóias
bois e
vacas.
Batendo no lombo, o apresentador bradava:
— Luana é a segunda mais bonita da sua classe. A segunda! É verdade que perdeu uma posição por conta de seu cabelo piaçava, seu nariz grande demais e sua perna onde agora nascem (ele mal esconde seu asco) pelos. Mas o pior ainda é o cabelo Bombril. Piaçava, Bombril, uma faxina toda (ele ri sozinho). Mas Luana assegura um segundo lugar na lista das mais bonitas porque ainda é magra. E branquinha.
Luana via-se desfilar no pasto, na TV.
Orelha etiquetada.
Lombo marcado.
— Mas Luana, senhores, é um bom investimento, pois amanhã fará sua grande aparição de cabelo alisado e deve recuperar o primeiro lugar — retomou o apresentador.
Luana passou as mãos pelas queimaduras no couro cabeludo. Ajeitou as mechas cheirando a formol no travesseiro coberto por uma camisola de cetim e tentou sorrir, sem imaginar que no dia seguinte diriam que seu cabelo cheira a necrotério.
Foi então que a sua imagem na TV se metamorfoseou de novo em vaca, olhou para tela e disse:
— Luana, se descabela.
E então mugiu.
Mariana Brecht é roteirista e escritora, autora de “Brazza” (Moinhos, 2021) e “Labirinto” (Jandaíra, 2021).