Pilar Bu
tudo que ouço da minha janela é silêncio as ruas ecoando fantasmas o céu lavado no meio da tarde as estrelas que não víamos há 100 anos brilhando e contrastando com a frieza do isolamento lembre do café da padaria da avenida mais movimentada do bairro das lojas coalhadas de gente na 12 de outubro do mercado da lapa que dorme cedo dos bares de música que fecham tarde a igrejinha da esquina recolhe os pecados que nunca tivemos o relógio marca o tempo ao contrário aguardando o momento do abate o ronco dos motores dos ônibus denunciam meu cansaço enquanto se ouve os trens rasgando a malha viária soberba de ter acreditado no progresso quando o que nos faltava era a vida para ser compartilhada tudo que ouço da minha janela é promessa de beijar um novo tempo sem adiar os desejos e os abraços apesar do caos da pressa dos contratos todos os encontros que não tivemos e bora marcara para uma data que nunca virá os gatos brincando despretensiosos o mundo existindo para além da nossa vontade num muro de uma cidade que não conheço escrito em uma língua que ainda não domino montevidéu deve ser linda em abril te extraño com a velocidade de um cometa para refazer as conexões perdidas reparar as relações que não tive é sempre carnaval depois da tormenta os beijos distribuídos sem pudor tudo que ouço da minha janela para dentro e para fora é saudade e façamos a revolução depois que a dobra da virada do tempo enfim chegar
Pilar Bu é poeta, autora de “Ultraviolenta” (Kotter, 2017) e “Bruxisma” (Urutau, 2019).