Rafael Zacca
te espero na porta do cinema você chega com uma pipoca doce mergulho as mãos nessa mistura e esse mel é tudo o que restou * tudo ou quase tudo: a colmeia o zumzumzum dos gemidos as nossas pernas abertas as abelhas nas virilhas e uns cinco comprimidos de allegra * não abelhas não são frutas na virilha se não comemos comem as moscas o zumzumzum nas bananas mas também as frutas que se esquecem sobre a mesa trabalham o seu mel * depois os urubus perdendo as penas no alto do edifício milos na rua hermengarda que cena triste vamos pular essa parte * também as plantas trabalham seu mel jiboias e samambaias suculentas e cactos volto à quinta série e escrevo a redação: tudo trabalha o seu mel (é, o seu mesmo) * as aves grandes o que importa nas aves grandes não é que voem mas que pousem a nuvem de poeira que disparam olha não é isso o amor essa dispersão de poeira * sentar contigo no nosso bar favorito o favo de mel antes de pousar no motel condor você me dizendo que essas ruas rendem péssimos poemas e que há melhores usos para a boca * zumzumzum zumzumzum que ruído estranho estão fazendo as coisas que voam
Rafael Zacca é poeta e crítico, professor no departamento de Filosofia da PUC-Rio, autor de “O menor amor do mundo” (7Letras, 2020).