Luís Henrique Pellanda
Um dia, entediado consigo mesmo, o dragão saiu de sua caverna e foi morar na cidade. Parte da população, no entanto, não viu mal algum naquilo. Pelo contrário. Muitos, de tão afeitos ao terror, prontamente se renderam aos encantos do dragão. Admiravam sobretudo as suas rudes demonstrações de força e independência. Consta que uma minoria, não aturando o seu mau cheiro, ainda tentou bani-lo, o que hoje seria considerado natural, embora não naqueles tempos bárbaros, tão diferentes dos nossos. Infelizmente, não tiveram sucesso.
O dragão, portanto, se estabeleceu, dando início a uma maçante controvérsia que o punha no centro de todos os debates possíveis. E enquanto discutiam com fervor, tanto os que o amavam quanto os que o odiavam, tanto os que a ele se opunham quanto os que a ele se aliavam, o dragão nada fazia. Apenas bocejava, preguiçoso, empesteando cada vez mais o ar da cidade onde morava. Tanto que, ao fim dos debates, estavam todos, de ambos os lados, asfixiados e mortos. Menos o dragão, que roncava de tédio em meio aos cadáveres.
Luís Henrique Pellanda é escritor e jornalista, autor de “Na barriga do lobo” (Arquipélago, 2021).