Simone Campos
Desconfortável. Frio. Revolvo no lugar. As pernas descobertas tomando ar fresco fora da camiseta, ao léu. Tateio pelo edredom, mas ele não está lá.
Sem abrir os olhos para não perder o sono, apalpo mais e mais longe até que esbarro num tecido fofo. Sim, meu edredom – mas preso sob um obstáculo. Oh, droga.
Dormi tanto sozinha que desacostumei, penso. Depois de tanto tempo, eu já devia estar acostumada de novo, penso. E ele também!
Concentro força para, de uma vez só, reclamar minha parte do edredom de casal. Aplico o puxão. O edredom se move minimamente, mal saindo de baixo daquele corpo.
Abro uma fresta de olho. Ele parece completamente enrolado na coberta, como um temaki. Não vai ser fácil vencer pela força.
Lembro que posso falar com ele dormindo que ele atende. E responde. Mais do que isso: chega a ser loquaz. Depois não se lembra de nada. Muitas vezes temos diálogos inteiros em que ele ainda está sonhando e fala coisas desconexas que, também sonada, demoro a perceber que não fazem sentido. Então invariavelmente comento: você está sonhando.
Ao ouvir isso ele faz silêncio, tentando reconciliar as realidades que conhece, como quem foi pego no pulo, como quem está perdido e não quer admitir. É nesse momento que sinto mais forte o meu amor.
Sorrindo por dentro e aborrecida ao mesmo tempo, eu digo: Rodrigo, você pegou o edredom inteiro. Divide comigo.
De primeira, ele sempre tenta se desvencilhar mexendo os braços. Mas sempre está muito bem embrulhado; isso não dá resultado. Eu insisto: você tá em cima. Vira pro lado que eu puxo.
Ele resmunga, mas vira. Aproveito para puxar o edredom mais uma vez. Desta vez, ele sai.
Pego minha ponta. Cubro minha bunda.
Deitando de lado, penso em como ele se cobre normal, mas puxa o edredom todo para si enquanto dorme feito uma bobina. Uma vez o encontrei dormindo na horizontal sobre a cama, bem no meio, a coberta no chão. Ele não sabe como foi parar naquela posição e não lembra que lhe pedi, enquanto dormia, para girar e girar, e depois rolar, até eu ter espaço para deitar também. É como programar o robô da tartaruga.
Revolvo na cama. Acho que não vou conseguir mais dormir. Melhor escrever.
Simone Campos é escritora e tradutora, autora de “Nada vai acontecer com você” (Companhia das Letras, 2021).