Natalia Timerman
Quando me mudei logo no início do ano carregaram casa acima muitas caixas na casa nova Eu não podia carregar caixas carregava uma barriga e dentro dela o Jorge que eu ainda não conhecia Enquanto ele se formava e crescia dentro de mim eu desfazia as caixas organizava inventava espaços meus espalhando minhas coisas nossas coisas pois nos mudamos e no mesmo instante nos casamos Pouco a pouco Jorge aumentava e a casa parecia uma casa a nossa Algumas caixas ficaram debaixo da escada, perto dos instrumentos musicais esperando que eu tivesse tempo de abri-las organizá-las Jorge nasceu A casa já é tão nossa que as paredes tão branquinhas quando mudamos já têm marcas de dedos e pés e de coisas não identificáveis Já podamos o jardim algumas vezes já comemos banana que deu era tanta que até estragou As caixas debaixo da escada continuam fechadas intactas juntando poeira do tempo na casa que é a nossa até que alguma das crianças cresça e queira ver o que tem nelas ou até que seja tempo de ter outra casa nova e as caixas ainda intactas sejam transportadas com todas as outras levando no bojo um pedaço guardado do que passou
Natalia Timerman é médica psiquiatra e escritora, autora de “Copo vazio” (Todavia, 2021) e “Desterros” (Elefante, 2017).