Tobias Carvalho
Ele curtiu uma foto que eu tinha postado fazia muito tempo. Retribuí o gesto. Alguns minutos depois, recebi a mensagem:
Sdd de transar contigo.
Era um dia de semana e eu já estava com a minha roupa de dormir. Imaginei que ele devia estar bêbado. Fazia cinco anos que a gente não se via. Respondi:
Haha sério?
Não tava esperando isso hoje.
Eu tb.
Boas lembranças.
Perguntei se o relacionamento dele era aberto e ele disse que sim. Eu via algumas fotos dele com o namorado passando pelo meu feed. Eric tinha um cabelo fino e preto, e o namorado era ruivo e tinha um sorriso largo.
Ele disse que morava perto de mim. O problema era que o Caíque, meu namorado, ia chegar dentro de meia hora. Eric também não podia me levar pra casa porque isso ia contra o acordo com o namorado dele.
Como fazemos entao? mandei.
Eric respondeu:
Eu que te pergunto.
Queria te ver.
To de carro.
Dei meu endereço e fui me arrumar. Botei uma roupa, escovei os dentes, passei desodorante e perfume. Quando chequei o celular, tinha uma mensagem dele dizendo que chegaria em dois minutos.
Ele estava me esperando na frente do prédio quando desci. Eric não estava muito diferente de como eu lembrava, só agora tinha uma barba discreta e estava mais encorpado. Ele me deu um beijo e disse
“Quanto tempo.”
“É. Faz tempo mesmo.”
Até então, meu contato com ele era por mensagens e curtidas. Nossa interação virtual era amigável.
Eu estava no carro dele.
“Tem certeza que na tua casa não dá?”, ele disse.
“Absoluta.”
“Tu quer ir, tipo, pra um motel?”
“Podemos.”
A gente nem tinha saído da minha rua quando me lembrei da praça que ficava a umas três quadras. Mandei ele dobrar em uma rua na contramão. Já tinha passado da meia-noite, e fazia um frio úmido na cidade; era inverno. Eric estacionou em um canto vazio da praça.
“Tu quer ficar por aqui?”, ele disse.
“Pode ser.”
“Já transou dentro de um carro?”
Vasculhei minha mente em busca de alguma lembrança.
“Nunca.”
“Então é hoje.”
Eric deixou o carro ligado e pôs no porta-malas os livros de medicina que estavam no banco de trás. Ele sorriu e tirou o meu casaco, depois o meu blusão e a minha camiseta, abriu o zíper da minha calça e disse:
“Foda-se o motel.”
Cinco anos atrás ele não era tão confiante: não falaria uma frase assim feroz e curta. Mesmo tendo topado estar com ele, eu estava um pouco nervoso. Fiz meu melhor para não deixar isso transparecer. Estávamos, é claro, no banco de trás, e em pouco tempo eu já suava e sentia meus músculos chiarem. Os vidros estavam embaçados quando o Eric gozou. Ele respirou fundo.
“Quer gozar?”
“Eu tô bem.”
“Não, sério, quero que tu goze.”
“Eu tô bem, eu tô bem.”
“Sério mesmo?”
“Sério.”
“OK, então.”
Sentamos com as pernas enroscadas. Ele sorriu e disse de novo que fazia tempo desde a última vez. Pela expressão dele, não achei que fosse só um comentário para preencher o silêncio. Ele queria dizer que tinha uma cumplicidade entre nós, eu supus. E era verdade. Em algum momento durante o sexo, notei que o cheiro dele ainda era familiar.
“Tu continua igual”, eu disse.
“É? Não mudei nada?”
“Não. Quer dizer, tá, pelas fotos, mudou. E agora tu não é mais tão tímido. Mas ao mesmo tempo continua igual.”
Eric sorriu bem de leve.
“Naquela época eu ainda tava me descobrindo,” ele disse. “Guri do interior é assim.”
“Mas depois tu te achou bastante com teu namorado, não? Há quanto tempo vocês namoram?”
“Cinco anos.”
“Hm,” eu disse. “Foi no mesmo ano em que a gente se conheceu?”
“Sim. Logo depois.”
“Isso é…”,comecei uma frase sem saber onde queria chegar. “Não sei. Doido.”
“Um pouco, eu acho. E tu, tá há quanto tempo namorando?”
“Faz dois anos. Meu primeiro namorado também.”
“Ele sabe que tu tá aqui?”
“Não. Mas a gente pode sair com outras pessoas, é tranquilo.”
Botei minha cueca, meio consciente de estar pelado. Eric estava só de camiseta. Lembrei que cinco anos antes ele transava só de camiseta, e falei isso para ele.
“É mesmo,” ele disse. “Eu tinha vergonha do meu corpo. Hoje é só porque tá frio mesmo.”
“Ah, bom. Nem sei por que falei isso.”
“Tudo bem. Deve ter sido estranho pra ti, eu te chamar pra sair do nada. Pra falar a verdade, eu e o meu namorado temos um combinado, que é não transar com quem a gente já transou. Só gente nova, cada vez um cara novo, senão não pode. Eu tô quebrando a regra, na real. Tudo bem que faz cinco anos e foram só duas, três vezes, mas tô quebrando a regra igual.”
“Duas, três vezes? Tá falando sério?”
“Que que tem?”
“Tu tá louco. Foram no mínimo umas cinco.”
“Tudo isso?”
“Por baixo.”
“Daonde?”
“Meus amigos te conhecem como a foda-fixa de Camaquã.”
“Nossa,” ele disse. “Sério? Que honra. Bom, pode ser.”
Ficamos em silêncio, e o Eric começou a me chupar de novo. Ele estava dedicado a me fazer gozar, e conseguiu. Botei a minha camiseta. Alguns carros passavam de vez em quando, mas a gente não viu sinal de ninguém na praça.
“Olha”, ele disse. “Eu queria te pedir desculpa por aquela época.”
“Desculpa pelo quê?”
“Eu gostava de ti, Artur. Lembra que eu te bloqueei nas redes por um tempo?”
“É, lembro. E parou de me responder do nada.”
“Tu queria me adicionar nas redes. Eu era meio cuzão, tinha medo que descobrissem. Não queria misturar a vida gay com a vida social. Eu achava que todo mundo em Camaquã ia ficar sabendo. E todo mundo soube, né. Conheci meu namorado logo depois.”
“Tudo bem. Faz tempo.”
“Eu só queria dizer isso.”
“Tudo certo”, eu disse. “Eu também gostava de ti.”
Ele ficou sem falar nada por um tempo e botou a mão na minha cabeça e bagunçou o meu cabelo um pouco. Depois mudou de assunto sem muito jeito, perguntando sobre como eu pagava as contas fazendo drag, emendando uma dúvida atrás da outra, talvez pra preencher o silêncio ou demonstrar interesse.
Eric me deixou em casa, e eu recém tinha fechado a porta do carro quando me dei conta de que ele não tinha mais nenhum resquício do sotaque do interior.
Tobias Carvalho é escritor, autor de Visão noturna (Todavia, 2021) e “As Coisas” (Record, 2018).